Pirarucu de manejo sustentável da Amazônia rompe fronteira nacional


EXPORTAÇÃO

Iniciativa tem como objetivo inserir o gigantesco peixe Amazônico no mercado internacional

Amostras de pirarucu, aproximadamente 100 quilos do produto congelado, chegaram a Vancouver, no Canadá, e a Hong Kong. Esses foram os primeiros envios internacionais de amostras para que os chefs de gastronomia e importadores conheçam o produto. A iniciativa faz parte do projeto Fish of Change, que prevê a consolidação do pirarucu de manejo sustentável no mercado interno e a oportunidade de inserir no mercado internacional um produto carregado de valor social e ecológico.

A exportação do pirarucu surge como uma grande janela de oportunidade. A Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc) coordena um arranjo comercial inovador entre as áreas produtivas de diferentes regiões e se torna a primeira organização de base comunitária a exportar o pescado. Dessa forma, o pirarucu pode se tornar o grande símbolo da bioeconomia amazônica por alinhar a conservação da biodiversidade com as aspirações das comunidades locais e oportunidades de mercado.

O projeto conta com diversas parcerias e apoio estratégico do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), dentro da cooperação técnica entre o Brasil e os Estados Unidos. “O programa Brasil tem um olhar voltado para a conservação da biodiversidade e o modo de vida das pessoas, esse projeto representa esses dois pilares. Estamos agindo também frente às mudanças climáticas, dialogando com o setor privado e as áreas protegidas”, explica Jayleen Vera, gerente do programa USFS no Brasil.

Créditos das imagens: Instituto Juruá

Desafios

Os desafios e o processo para a exportação são complexos, o projeto precisa assegurar uma qualidade rigorosa do pescado até os outros países. A primeira experiência de envio internacional possibilitou a criação de um protocolo de exportação aérea, que irá nortear as futuras remessas de amostras. Espera-se que ao atingir pedidos comerciais em maior escala, o meio de escoamento do produto seja feito por contêiner frigorífico via porto para diminuir os custos logísticos.

“Acreditamos que essa etapa de envio é o coração do projeto, que nos ensinou as dificuldades burocráticas de uma exportação e as complexas etapas envolvidas para conseguirmos as aprovações necessárias para os envios”, destaca Simelvia Vida, analista de Recursos Pesqueiros do Instituto Juruá e responsável pela articulação da iniciativa Fish of Change.

A ideia é expandir a comercialização do pirarucu no Brasil, estreitar os laços com as bases produtivas, aprimorar os processos de beneficiamento do pescado, melhorar a infraestrutura de processamento e a capacidade comercial.

“Eu tenho enxergado essa iniciativa como uma oportunidade de tornar o manejo do pirarucu mais conhecido. É uma chance de fortalecer e consolidar esse esforço de melhorar a renda dos manejadores, aliado a conservação ambiental e a uma vida mais digna às comunidades indígenas e ribeirinhas da Amazônia”, destaca o assessor da Associação dos Produtores Rurais de Carauarí (ASPROC) e presidente do Memorial Chico Mendes (MCM), Adevaldo Dias.

O Fish of Change aborda os principais gargalos do manejo do pirarucu, fortalecendo o mercado interno e desenvolvendo as principais exigências do mercado externo com foco em um mercado de alto padrão que garanta o pagamento de um preço justo aos manejadores.

Créditos das imagens: Instituto Juruá

Certificação Fairtrade

Ainda no escopo da iniciativa, está prevista a certificação Fairtrade para duas áreas de manejo, nas Terras Indígenas Paumari, no município de Tapauá, e em comunidades do Médio Juruá, no  município de Carauari, e da ASPROC, organização que centraliza o arranjo comercial do pirarucu selvagem de manejo.

A certificação Fairtrade é um selo global que identifica produtos que foram produzidos e comercializados de acordo com os padrões de comércio justo. Esse selo garante que os produtores envolvidos nas diversas estapas da cadeia de valor recebam um preço justo por seu trabalho e tenham garantidos direitos trabalhistas básicos, como a proibição de trabalho infantil e trabalho forçado.

Além disso, a certificação Fairtrade também incentiva a produção sustentável, promovendo práticas que protegem o meio ambiente e a biodiversidade. Estudos mostram que mercadorias com o selo Fairtrade têm uma demanda maior entre os consumidores conscientes, que estão dispostos a pagar um preço mais elevado por produtos que atendem a padrões éticos e ambientais.

De acordo com João Campos-Silva, presidente do  Instituto Juruá, a inserção do selo no produto gera múltiplos benefícios para os envolvidos no processo. “Para a Asproc é importante porque é uma chance de colocarmos o pirarucu em um mercado mais exigente que paga mais caro pelo produto, além disso o selo Fairtrade atesta todo o valor social e ecológico do manejo. Dessa forma, ele acaba sendo uma vitrine para os produtos da associação”.

Segundo Campos-Silva, para as comunidades que realizam a pesca, ter o selo nas embalagens também é muito interessante. O selo Fairtrade tem alguns mecanismos de benefícios financeiros, que além de gerar mais renda com a venda do pescado, exige um arranjo produtivo coletivo e entrega um prêmio anual aos participantes por cumprirem as exigências. “Esse prêmio é um volumoso recurso que pode ser usado para a manutenção dessa estrutura organizacional do arranjo. Então, o selo fortalece bastante o arranjo, tanto pela geração de renda direta, como pelo incremento de dinheiro para a manutenção da estrutura organizacional. Estamos trabalhando nos desafios de implementação, mas temos dado passos significativos para que a Asproc seja a implementadora do selo”, garante.

Está previsto, ainda, a criação de uma nova marca com identidade visual própria para comercializar o pirarucu no mercado internacional. “Enxergamos um grande potencial para que o pirarucu seja consumido no mercado internacional por duas razões: oferecer um novo produto a novos mercados e elevar a conservação da biodiversidade em conexão com um produto específico”, destaca Jayleen.

Para Adevaldo Dias a parceria com o USFS é fundamental para a construção do caminho para a exportação, que além de ter custos altos, apresenta desafios burocráticos e logísticos. “O apoio do USFS possibilita novos aprendizados. Estamos experimentando algo novo para todos os parceiros: a OPAN, o Instituto Juruá, o MCM, a Asproc e o próprio USFS. Isso vai nos permitir aplicar esse conhecimento para a exportação de outros produtos extrativistas”.

Histórico

O trabalho do USFS para o desenvolvimento sustentável da cadeia de manejo do pirarucu selvagem começou em 2015 em colaboração com diversas organizações que já atuam nesta agenda há décadas. Ao longo dos anos foram investidos esforços na capacitação para manejadores e ferramentas para monitoramento, rastreamento e certificação da produção, aprimoramento dos aspectos sanitários, de logística e transporte da cadeia, abertura de mercado, entre outras ações.

Uma das iniciativas surgidas ao longo do projeto Cadeias de Valor Sustentáveis foi o Coletivo do Pirarucu, uma rede de lideranças e organizações que representam aproximadamente 4 mil pescadores indígenas e manejadores ribeirinhos de pirarucu das bacias dos rios Negro, Solimões, Juruá e Purus, no Amazonas. Para consolidar a cadeia do pirarucu de manejo sustentável e promover a comercialização em novos mercados fora da Amazônia, o projeto também apoiou a criação da marca coletiva Gosto da Amazônia, também gerenciada pela ASPROC, que expandiu a venda do peixe para novos mercados consumidores.

Junto com a preservação do pirarucu e a conservação da biodiversidade, o manejo traz diversos outros benefícios. Como o aumento da renda e o fortalecimento da organização social das comunidades, o que promove a redução das desigualdades sociais, aumentando a segurança alimentar e promovendo uma significativa melhoria na qualidade de vida de povos indígenas e populações tradicionais, além de proporcionar maior protagonismo das mulheres na atividade pesqueira.

“Esse projeto é um grande exemplo de impacto do trabalho realizado com diversas parcerias, entre organizações sociais, governo, associações de base comunitária e poder privado. Foi possível construir uma relação, um entendimento comum.”, afirma Jayleen Vera.

A iniciativa Fish of Change conta com as seguintes parcerias: Operação Amazônia Nativa (OPAN), que lidera o arranjo, Instituto Juruá, ASPROC, Memorial Chico Mendes (MCM), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), o grupo BlueYou e SindRio.