A CPI das ONGs ouviu, nesta terça-feira (31), depoimento do presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Oliveira Pires. Ele afirmou que as denúncias de excessos na abordagem dos agentes do ICMBio contra moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, serão apuradas, mas negou que relatos de excesso policial com fuzis se refiram a agentes do órgão. A reunião foi requerida (REQ 133/2023) pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN).
O senador Plínio Valério (PSDB-AM), que preside o colegiado, apresentou vídeos em que moradores da reserva acusam agentes governamentais fortemente armados de depredarem suasresidências. Também houve denúncias contra o ICMBio de privá-los de criação de vacas e de dificultar abertura de novas escolas. Segundo Plínio, a necessidade de planejamento prévio para as famílias explorarem os recursos da floresta prejudica os moradores. Na sua avaliação, o instituto se preocupa mais com as florestas do que os seres humanos.
— A gente só fala da mão [do Estado] que pune (…), a gente não tem a mão que (…) traz a solução. Pode tudo [nas reservas extrativistas], desde que o ICMBio aprove. A família tem que ter plano de manejo… Imagina, o seringueiro que ganha R$ 3 por quilo e colhe, no máximo, cinco quilos por dia. Se não tiver a infelicidade de adoecer (…) aí ele vai poder contratar alguém para fazer seu plano? Mas o desmatamento tem mais atenção…
Abordagem excessiva
Segundo Mauro, os agentes do ICMBio não usam armas de grande porte como as apresentadas nos vídeos. Ele também atribuiu o aumento da fiscalização nos últimos anos na reserva Chico Mendes ao crescimento do desmatamento.
— Dentro do ICMBio não possuímos armamentos pesados. Isso não acontece. Em atividades de fiscalização, a depender das circunstâncias, para evitar situações de conflito, os órgãos de segurança também participam: ora a PF [Polícia Federal], ora a polícia do estado, ora a PRF [Polícia Rodoviária Federal]. Aí sim eles possuem o armamento. O ICMBio possui diferentes instâncias de governança para coibir excessos. Temos a auditoria, temos a corregedoria (…) . Em havendo algum abuso, creio que isso pode ser resolvido (…). O problema é que o desmatamento cresceu vertiginosamente nos últimos anos (…). O governador [do Acre] recentemente assinou decreto [11.271, de 2023] estabelecendo emergências ambientais nos municípios do Acre — disse Mauro, também afirmou que o ICMBio fará vistoria na reserva em novembro, no processo de construção da nova escola.
Os senadores Weverton (PDT-MA) e Damares Alves (Republicanos-DF) criticaram os casos de excessos na abordagem de agentes do órgão denunciados pelos moradores. O senador Beto Faro (PT-PA) afirmou que iniciativas de conscientização e informação pelo instituto podem reduzir o nível de infrações na reserva.
Na semana passada, a CPI aprovou requerimento (REQ 147/2023) de convite para que a procuradora-geral da República interina, Elizeta de Paiva Ramos, compareça à comissão para receber uma representação contra os agentes do ICMBio. O documento contém denúncias recebidas pelos senadores durante diligência externa realizada em 19 de outubro no Acre, quando os membros da CPI vistoriaram as condições de habitação e trabalho de moradores da Reserva Chico Mendes. A audiência com a presença da procuradora-geral ainda não tem data definida.
Desenvolvimento
Mauro elencou entre as missões do órgão o desenvolvimento socioambiental para gerar emprego e renda, e apoiar o desenvolvimento do país. Ele afirmou que para cada real investido na pesca sustentável nas unidades de conservação, aproximadamente R$ 15 voltam para a economia local.
>O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) questionou a eficácia da atuação do ICMBio em atender as necessidades de subsistência das famílias nas reservas.
— O senhor acredita que o seringueiro, caminhando oito quilômetros, tenha condições de sobreviver do extrativismo recebendo 30 ou 40 reais por dia? Isso é um trabalho digno? O senhor tem a relação dessas famílias que estão lá, quantas recebem Bolsa Família? Do jeito que a gente viu a situação lá na Reserva Chico Mendes, se fosse uma empresa da iniciativa privada que estivesse administrando aquilo, pode ter certeza que o administrador sairia algemado.
Indicação
Os critérios para escolha do presidente do ICMBio foram questionados por senadores, que apontaram conflito de interesses. O senador Marcio Bittar (União-AC), relator no colegiado, apontou o envolvimento de Mauro e das pessoas que indicaram seu nome à presidência do ICMBio com ONGs ambientalistas.
Em resposta, o convidado explicou que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, formou comitê para indicar três nomes de candidatos à direção do órgão. Ele afirmou que a decisão pelo seu nome foi influenciada por sua carreira como servidor concursado no ICMBio desde 2009. Mas, para Bittar, a participação de Mauro como sócio da empresa Canumã (quando licenciado do ICMBio), que realizava consultoria a ONGs, indicaria uma escolha enviesada do comitê formado por Marina.
Para Bittar, há trocas frequentes entre gestores públicos de órgãos ambientais e dirigentes de ONGs financiadas com recursos estrangeiros, que podem levar à influência de outros países na política ambiental brasileira.
— É um clube de amigos. Você acha que esse clube de amigos vai indicar alguém que discorde que a reserva extrativista não tenha um grau de autonomia maior do que tem? A agenda está fechada… Isso é permitir que forças externas se apossem do governo brasileiro — disse Bittar, que foi endossado pelo senador Dr. Hiran (PP-RR).
Mauro lembrou que o apoio e cooperação do ICMBio com ONGs é previsto na lei que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei 9.985, de 2000).
Terras públicas
Respondendo ao senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Mauro apontou preocupação com problemas existentes na Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, que é uma unidade de conservação administrada pelo ICMBio. A região possui índices altos de desmatamento e dificuldade na desapropriação de terras para torná-las de domínio público da União.
— Aquela terra é pública e federal (…). Temos 336 unidades de conservação, nem todas são de domínio público. Há propriedades ambientais que são de domínio privado, não implica em desapropriação, etc. (…) É importante dizer que uma floresta é de domínio público. Aquelas pessoas que têm título de posse e cumprem a legislação na época vão ser indenizadas e [as terras] desapropriadas. Existe toda uma legislação dedicada a tratar desse tipo de situação. No caso do ICMBio, ele trabalha para verificar a veracidade daqueles títulos, faz análise de cartório, de campo, trabalha bastante detalhadamente e com cautela. É um trabalho que envolve uma série de pessoas para tornar aquela unidade totalmente de domínio público.
Mauro ainda esclareceu que, nos casos em que cresce o número de famílias que estão em unidades de conservação em terras públicas, o órgão cria plano de emergência para permitir que elas tenham condições de coletar o necessário para sua subsistência.
Segundo o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), a comprovação de posse legítima das terras é inviável para os moradores. Zequinha explicou que, décadas atrás, o governo militar incentivou a migração de brasileiros para a região. Mas, à época da criação da unidade de conservação, em 2006, os locais de habitação dessas pessoas foram incluídos na área da floresta.
— Não regulariza, não tem título? Porque não se faz título lá nem na lua. Se tivesse, o cara iria atrás. Isso é questão de gestão.
ICMbio
O instituto é uma autarquia federal criada em 2007 para gerir as unidades de conservação federais no país. Essas unidades podem ser de uso sustentável, em que se busca harmonizar o uso dos recursos naturais e a proteção da natureza, como é o caso das reservas extrativistas e das florestas nacionais. Segundo dados do órgão, mais de 200 mil famílias estão cadastradas nesse tipo de local. Mas também existem unidades de conservação de proteção integral, em que o objetivo é evitar a interferência humana.
As unidades de conservação somam 18% do território brasileiro e possuem 280 conselhos, que são órgãos de participação social deliberativos ou gestores que auxiliam o administrador da unidade de conservação.
Fonte: Agência Senado